PL da Devastação é aprovado no Senado
Imagine acordar e descobrir que uma mineradora será instalada ao lado da sua casa. Nenhuma reunião na comunidade. Nenhum estudo técnico analisado por especialistas. Nenhuma garantia de que a água que você bebe continuará potável.
Isso porque, com um simples formulário preenchido na internet, a empresa conseguiu uma autolicença, que agora se tornou regra. E o mais alarmante: esse modelo automático não será limitado a empreendimentos de pequeno porte. Projetos de médio porte e potencial poluidor também poderão se beneficiar desse atalho, ignorando os riscos reais para comunidades e ecossistemas inteiros.
Na noite de 21 de maio de 2025, essa cena hipotética se aproximou da realidade de milhões de brasileiros. O Senado aprovou por 54 votos a 13 o Projeto de Lei (PL) 2.159/2021 que ambientalistas já renomearam de “PL da Devastação”, uma proposta que desmonta o sistema de licenciamento ambiental no Brasil. Agora, o projeto retorna à Câmara dos Deputados para votação final.
Um retrocesso histórico
Considerado o mais perigoso entre as propostas do chamado Pacote da Destruição, o PL 2.159/2021 tem sido duramente criticado por ambientalistas, juristas, cientistas e até mesmo pelo Ministério do Meio Ambiente (MMA). O texto legaliza o autolicenciamento para diversos empreendimentos, como atividades agropecuárias, além de permitir a dispensa de análise prévia por órgãos ambientais.
De acordo com a nova regra, a maioria das atividades ará a ser autorizada com o simples preenchimento de um formulário autodeclaratório, sem estudo técnico, sem consulta pública, sem fiscalização prévia. Ou seja: quem vai poluir, desmatar ou degradar, autoriza a si mesmo. “Ao priorizar de forma irresponsável a isenção de licenças e o autolicenciamento, a proposta tem potencial de agravar a degradação ambiental, representando grave ameaça a direitos humanos fundamentais”, aponta nota técnica do Observatório do Clima, que elaborou uma análise detalhada de mais de 100 páginas sobre os impactos do projeto.
Riscos para povos tradicionais e omissão climática
Além de eliminar salvaguardas ambientais, o projeto ignora completamente a emergência climática, não há uma única menção ao tema. Também fragiliza os direitos de povos indígenas, quilombolas, ribeirinhos e outras comunidades tradicionais, restringindo a participação de órgãos como a Funai e o Iphan apenas a casos de territórios já oficialmente reconhecidos, e mesmo assim, de forma não vinculante.
“Isso institucionaliza o racismo ambiental”, alerta o Observatório do Clima. Segundo eles, a proposta subverte o princípio de precaução e deixa populações vulneráveis sem proteção efetiva contra megaprojetos com alto impacto.
Mata Atlântica sob ataque
Como se não bastasse, na véspera da votação no plenário, o relator senador Confúcio Moura (MDB-RO) acolheu uma emenda de última hora apresentada por Jayme Campos (União-MT), que libera o desmatamento de vegetação nativa na Mata Atlântica, contrariando a Lei da Mata Atlântica, sem necessidade de autorização ambiental.
“O projeto retira garantias históricas de proteção e ameaça diretamente os 12% restantes da cobertura original da Mata Atlântica”, denuncia Malu Ribeiro, da Fundação SOS Mata Atlântica para o Instituto Socioambiental. Ela destaca que a medida compromete serviços ambientais essenciais à segurança hídrica e à saúde de mais de 70% da população brasileira que vive nesse bioma.
Licenciamento ambiental: o que está em jogo?
O licenciamento ambiental é um dos principais instrumentos da Política Nacional de Meio Ambiente (Lei nº 6.938/1981). Ele obriga que empreendimentos potencialmente poluidores sejam previamente analisados por autoridades ambientais antes de sua instalação ou funcionamento. Para isso, são exigidos estudos técnicos, consultas públicas e condicionantes que garantam a mitigação de impactos.
Com o PL aprovado, todo esse processo é ameaçado. O projeto transfere aos estados e municípios a possibilidade de ampliar dispensas de licenciamento e normaliza a chamada Licença por Adesão e Compromisso (LAC), um mecanismo automático e sem análise técnica prévia.
“O PL representa desestruturação significativa do regramento existente sobre o tema e representa risco à segurança ambiental e social no país”, alertou nota do próprio Ministério do Meio Ambiente.
O que ainda pode ser feito?
O projeto ainda precisa ser analisado pela Câmara dos Deputados, que decidirá se mantém ou não as mudanças feitas no Senado. Esse é o momento para mobilização da sociedade civil, pesquisadores, instituições e cidadãos que defendem o direito constitucional ao meio ambiente equilibrado. A pressão popular pode ser decisiva para evitar que o “PL da Devastação” entre em vigor. Precisamos de um licenciamento ambiental forte, técnico, participativo e transparente, não de uma carta branca para poluir e destruir.
Autora: Thamara Santos de Almeida, com informações do Observatório do Clima e Instituto Socioambiental.
Revisão: Carolina Schäffer.
Foto de capa: Ibama combate desmatamento ilegal na Terra Indígena Pirititi, Roraima. Foto: Felipe Werneck/Ibama.