O pequeno gigante da Floresta com Araucárias: a jornada do papagaio-charão
Imagine acordar em um no interior do sul do Brasil e avisar um colorido vibrante no céu, além de um sol alto, potente, impossível de ignorar, como se a floresta ganhasse voz própria. São centenas, às vezes milhares, de aves verdes com uma máscara vermelha vibrante sobre os olhos. Essa é a revoada do papagaio-charão (Amazona pretrei), um espetáculo da natureza que encanta cientistas, moradores locais e turistas todos os anos.
Apesar de ser o menor papagaio brasileiro, o charão se destaca por voar as maiores distâncias diariamente. Sua vida é marcada por jornadas extensas e uma impressionante vida em grupo, formando as maiores concentrações populacionais conhecidas entre os papagaios do Brasil.
A história do charão é profundamente conectada com as Florestas com Araucárias, especialmente no sudeste de Santa Catarina e nordeste do Rio Grande do Sul. Entre março e julho, ele encontra seu banquete preferido: as sementes do pinheiro-brasileiro (Araucaria angustifolia), conhecidas como pinhão. Durante o restante do ano, em seu período reprodutivo, migra de volta ao Rio Grande do Sul, onde habita paisagens de campos abertos e pequenos capões de mato, hoje bastante modificados pela ação humana.
Com sua plumagem verde-claro e uma mancha vermelha que cobre a testa até a parte de trás dos olhos, o papagaio-charão é uma figura marcante. Vive em grandes grupos – exceto durante a reprodução, quando forma casais. A fêmea choca os ovos enquanto o macho lhe traz alimento. E quando os filhotes estão prontos para voar, são rapidamente integrados ao bando maior. A espécie é migratória, e todos os anos mais de 20 mil aves cruzam o céu Santa Catarina em busca do alimento que garante sua sobrevivência.
O charão não vive apenas entre as araucárias, ele as protege, devido a sua dependência pela espécie. Com a destruição de seu habitat sua sobrevivência está ameaçada e hoje a espécie está ameaçada de extinção. O que antes era um espetáculo comum em locais como a Estação Ecológica de Aracuri, no RS, agora se tornou raro.
Desde a década de 90 pesquisadores perceberam que os bandos migratórios haviam abandonado o Rio Grande do Sul e migrado em massa para Santa Catarina, onde ainda existem grandes áreas conservadas com araucárias. A mudança de rota foi reveladora: mesmo com Unidades de Conservação, se o entorno das áreas protegidas não for conservado, as espécies desaparecem.
O Projeto Charão e a luta pela conservação
Foi com essa preocupação que nasceu o Projeto Charão, criado por Jaime Martinez e Nêmora Prestes, biólogos e apaixonados pela espécie. Desde 1991, o projeto estuda, monitora e luta pela proteção do papagaio-charão, numa parceria entre a Universidade de o Fundo e a AMA (Associação dos Amigos do Meio Ambiente). Com o uso de técnicas como radiotelemetria, identificaram as rotas migratórias da espécie e criaram estratégias para sua conservação.
Em 2018 fundaram a Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN) Papagaios de Altitude, em Urupema (SC), para proteger os principais pontos de alimentação da ave. Essa RPPN também abriga o papagaio-de-peito-roxo, outro devorador de pinhão e morador das araucárias.

Papagaio-charão e sua revoada. Foto: Arlei antunes, CC BY-SA 4.0, via Wikimedia Commons e Wigold Schäffer.
Um convite para observar e proteger
A cada inverno, as montanhas da serra catarinense são palco de uma revoada única. Turistas e observadores de aves do mundo inteiro vão a Urupema ver de perto essa dança aérea dos charões. Mais do que uma atração, o espetáculo é um lembrete de que a conservação depende de ação concreta, pesquisa, educação e respeito ao ritmo da natureza.
Se você ainda não viu uma revoada de papagaio-charão, quem sabe o próximo inverno seja a oportunidade perfeita para se encantar com esse pequeno gigante das araucárias no Festival dos Papagaios.
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Papagaio-charão
Nome científico: Amazonia petrei.
Família: Psittacidae.
Habitat: Floresta com Araucárias (SC) e formações florestais conhecidas por capões de mato, em meio a áreas abertas (RS).
Alimentação: Preferencialmente a semente de araucária, além de frutos, sementes, folhas e flores de dezenas de espécies de plantas nativas e algumas exóticas, destacando-se os frutos de guabiroba (Campomanesia xanthocarpa), cereja (Eugenia involucrata), sementes de camboatá-vermelho (Cupania vernalis), canela (Ocotea puberula).
Peso: 280 g.
Comprimento: 32 cm.
Hábito de vida: monogâmico.
Distribuição: Mata Atlântica (Rio Grande do Sul e Santa Catarina).
Ameaças: perda de habitat devido à destruição das florestas e pelo tráfico ilegal.
Status de conservação: Vulnerável (VU) pelo MMA, IUCN e Lista da Fauna Ameaçada de Extinção no Rio Grande do Sul; Em Perigo (EN) segundo a Lista das Espécies da Fauna Ameaçada de Extinção de Santa Catarina.
Referências consultadas:
PARQUE DAS AVES. Migrando com o misterioso papagaio-charão. Parque das Aves, 11 maio 2022.
UNIVERSIDADE DE O FUNDO. Projeto Charão.
Autora: Thamara Santos de Almeida.
Foto de capa: Wigold Schäffer.