Darwin, Evolução Biológica e a Mata Atlântica
Hoje (12/02) é o Dia de Darwin, uma data criada para homenagear o nascimento de Charles Darwin (1809-1882) e reconhecer sua imensa contribuição para a ciência. A ocasião também reforça a importância da pesquisa científica, do pensamento crítico e da curiosidade sobre o mundo natural.
O naturalista britânico teve parte de suas descobertas influenciadas por sua agem pela Mata Atlântica, onde observou a rica biodiversidade do bioma. Em 1831, com apenas 22 anos, Darwin embarcou no navio HMS Beagle para uma expedição ao redor do mundo que durou cinco anos. Durante a viagem, coletou uma enorme quantidade de dados sobre a fauna e flora em diferentes partes do mundo, identificando variações entre as espécies que mais tarde se tornaram a base de sua teoria revolucionária.
Foi a partir das observações que ele desenvolveu a Teoria da Seleção Natural, publicada em 1859 no livro “A Origem das Espécies”. A obra marcou um divisor de águas na biologia e alterou profundamente a forma como a humanidade compreende a evolução e sua própria origem.
A seleção natural é um dos principais mecanismos da evolução, atuando ao lado de mutações (alterações que ocorre na sequência do DNA de um organismo), migração (movimento de indivíduos de uma população de um local para outro) e deriva genética (variação aleatória na frequência de alelos – variantes de um gene – em uma população ao longo do tempo). Para entender melhor esse conceito, podemos imaginar uma população de besouros com cores diferentes: alguns são verdes e outros são marrons. Se predadores, como pássaros, preferem se alimentar de besouros verdes porque eles se destacam no ambiente, os marrons terão mais chances de sobreviver e se reproduzir. Como a coloração é uma característica hereditária, os descendentes dos besouros marrons também tendem a ser marrons. Com o tempo, a população de besouros se tornará predominantemente marrom, pois essa variação foi mais vantajosa para a sobrevivência.
O processo de seleção demonstra os três princípios fundamentais: variação (diferenças entre os indivíduos), reprodução diferencial (algumas características aumentam as chances de sobrevivência e reprodução) e hereditariedade (as características vantajosas são transmitidas para as próximas gerações). Se essas condições estiverem presentes, a evolução por seleção natural ocorre naturalmente.
O primeiro contato de Darwin com a Mata Atlântica, mas, sem poder percorrê-la de perto, por ter machucado o joelho, foi durante os 18 dias que o veleiro permaneceu ancorado em Salvador, na Bahia, em março de 1832. Assim, foi somente a partir de 5 de abril, quando chegou ao Rio de Janeiro, desembarcando em Botafogo, é que Darwin pode ter seu primeiro e mais íntimo contato com a Mata Atlântica. Como o Beagle retornou à Bahia para que fossem refeitas algumas medições cartográficas, Darwin aproveitou para permanecer, então, por três meses, na capital do Império brasileiro. Ali realizou, inicialmente, várias expedições menores, explorando a Floresta da Tijuca, o Jardim Botânico, Penha e Gávea e Corcovado, entre outros lugares.
Foi numa expedição maior, viajando pelo norte fluminense, na serra da Tiririca, em Niterói, ando por Maricá, Saquarema, Araruama, São Pedro da Aldeia, Cabo Frio, Barra de São João, Macaé, Conceição de Macabu, Rio Bonito e Itaboraí que Darwin sentiu verdadeiro arrebatamento com a exuberância, majestosidade e riqueza de espécies da Mata Atlântica, conforme escreveu, extasiado, em seu diário, rico em preciosas informações sobre o bioma.
Foi o tipo de ambiente natural mais rico que ele conheceu, conforme suas anotações que encheram vários cadernos. Naquele tempo, o termo biodiversidade ainda estava muito longe de ser inventado.
A viagem foi registrada em diários com descrições detalhadas sobre a biodiversidade, trazendo informações que vão desde o encantamento com a paisagem até comparações com outros lugares. Um dos locais visitados no Brasil foi o Rio de Janeiro, onde ele ou três meses e teve uma de suas maiores vivências com a biodiversidade brasileira. Hospedado na então baía de Botafogo, Darwin se encantou com a paisagem do Rio, local que explorou em pequenas expedições pela Floresta da Tijuca, Jardim Botânico, Penha e Gávea.
Em 2008, comemorando os 200 anos do nascimento de Darwin e os 150 anos do livro “A Origem das Espécies”, foi iniciada uma pesquisa para criar um roteiro turístico da presença dele pelo Rio de Janeiro, que ficou conhecido como Caminhos de Darwin.

Placa dos Caminhos de Darwin. Crédito: Geo Parque Costões e Lagunas.
As observações trazidas em seu diário fornecem informações valiosas sobre a Mata Atlântica, que, segundo ele, estava repleta de atrativos: “Na fertilidade de um clima como este, são tantos os atrativos que não se pode mesmo dar um o sem lamentar a perda de uma novidade qualquer”. Em seus escritos, destacam-se a iração pela fragrância das orquídeas e a elegância das folhas das samambaias, afirmando que “não é possível transmitir uma ideia adequada do que sejam as sensações de maravilha, surpresa e devoção que enchem e elevam a mente ao observar essas espécies”.
Ele também se encantou com a diversidade de planárias terrestres e descreveu uma nova espécie, Geoplana vaginuiloides, que pesquisas recentes mostraram existir apenas no Rio de Janeiro.

Espécie de planária, Geoplana vaginuloides, descrita por Darwin e que só existe no Rio de Janeiro. Local: Parque Estadual da Pedra Branca. Crédito: Planárias Terrestres Neotropicais – Uma Base de dados sobre os tricládidos disponível em http://planarias.each.usp.br/verespecie/147 licenciado sob CC BY-NC 3.0.
“Cada forma cada sombra ultraa de modo magnificente tudo o que um europeu jamais possa ter visto em sua terra nata, que este não sabe expressar suas sensações. O efeito geral com frequencia me trazia a mente o cenario vistoso das operas ou dos grandes teatros.”
Charles Darwin – “Viagem de Um Naturalista ao Redor do Mundo”
Fritz Müller: o Homem de Darwin no Brasil
O segundo contato de Darwin com a Mata Atlântica foi indireto, a partir de cerca de uma centena de cartas que ele trocou com o também notável naturalista Fritz Müller, alemão naturalizado brasileiro, que escolheu a Colônia Blumenau para se fixar aos 30 anos, em 1852 e ter ali sua morada definitiva, onde está sepultado.
Fritz Müller conheceu a mais famosa obra de Darwin, o livro “A origem das espécies por meio da Seleção Natural” nos quase onze anos que residiu em Desterro, capital da Província de Santa Catarina. Entusiasmado com as ideias do colega inglês, ele publicou um pequeno livro apoiando a teoria de Darwin. Este, ao tomar conhecimento dos estudos e conclusões do livro, entrou em contato por carta com Fritz Müller, afirmando que talvez aquela fora a mais importante contribuição que ele havia recebido, dentre tantas outras, uma vez que se tratava de fatos comprovados com observação na própria natureza, ou seja, o desenvolvimento de larvas de camarões, agora, sob a ótica da teoria da Evolução.
A partir daí iniciou-se a preciosa correspondência entre ambos, que só terminou com a morte de Darwin, em 1882. Voltando a residir em Blumenau por mais 30 anos até seu falecimento em 1897, foram muitas as cartas nas quais Fritz Müller relatava a Charles Darwin aspectos da Mata Atlântica da Província de Santa Catarina e, principalmente, de Blumenau e Vale do Itajaí, percorrida muitas vezes pelo nosso naturalista alemão-brasileiro, em extensas expedições a pé e descalço, sempre coletando exemplares da flora e fauna da Mata Atlântica, os quais enviava para muitos pesquisadores, entre eles, o agora amigo Darwin.
As espetaculares descrições, ideias, teorias e fatos observados na natureza, além do material que Müller coletava e enviava para Darwin, certamente, permitiram que o famoso naturalista inglês tivesse uma segunda ideia do que era a Mata Atlântica brasileira (sem esse nome, na época), depois de tudo que ele viu e se impressionou no Rio de Janeiro. mais de trinta anos antes.
Numa das correspondências a Fritz Müller, Darwin se refere à Ilha de Santa Catarina: “Ouvi dizer que a ilha é muito bonita”, escreveu. Na realidade, o Beagle apenas ou ao largo da ilha e é possível que Darwin sequer a tivesse avistado ao longe, com seu perfil confundido com o perfil da costa local. As cartas de Fritz Müller, com detalhadas descrições da floresta e de seus componentes: árvores, orquídeas, samambaias, bromélias, borboletas, besouros, formigas e inúmeros outros invertebrados terrestres e aquáticos, certamente faziam Darwin, ao lê-las, relembrar e imaginar, comparando aquilo que lia, com o que vira mais de 30 anos antes, maravilhado, no Rio de Janeiro.
Nascido na Alemanha e radicado no Vale do Itajaí e em Desterro (atual Florianópolis), Fritz Müller foi um dos grandes nomes que contribuíram para a consolidação da Teoria da Evolução de Charles Darwin. Em 1864, após receber uma cópia de “A Origem das Espécies”, Müller reuniu seus estudos sobre crustáceos realizados em Desterro e publicou seu primeiro e único livro, “Für Darwin” (Para Darwin, em português). Essa obra não apenas o projetou no cenário científico internacional, mas também o consagrou como o primeiro pesquisador a testar e comprovar experimentalmente as ideias de Darwin sobre a evolução das espécies.
O livro de Müller chamou imediatamente a atenção de Charles Darwin. Fritz foi pioneiro ao utilizar modelos matemáticos para explicar os mecanismos da seleção natural, oferecendo evidências sólidas que fortaleceram a teoria darwiniana. A partir de 1865, os dois cientistas iniciaram uma intensa troca de correspondências, que resultou em uma amizade duradoura de 17 anos. Darwin irava tanto o trabalho de Müller que o apelidou de “o príncipe dos observadores” e o citou 17 vezes em uma reedição de sua obra.
Assim como os Caminhos de Darwin, pesquisadores, historiadores e iradores da obra de Fritz Müller em Santa Catarina propõem a criação dos “Caminhos de Fritz Müller” no estado, seguindo o mapa elaborado pelo ecólogo e ambientalista Lauro Eduardo Bacca.

“Há uma grandeza nesta visão da vida, com seus vários poderes, tendo sido originalmente soprados em algumas formas ou em uma; e que enquanto este planeta continuou girando de acordo com a lei fixa da gravidade, de um começo tão simples, infinitas formas, as mais belas e as mais maravilhosas, foram e estão evoluindo.”
Charles Darwin – “A Origem das Espécies e a Seleção Natural”
Referências:
Almeida, A. L., Marques, F. P., & Carbayo, F. (2019). ‘Endless forms most beautiful’: taxonomic revision of the planarian Geoplana vaginuloides (Darwin, 1844) and discovery of numerous congeners (Platyhelminthes: Tricladida). Zoological Journal of the Linnean Society, 185(1), 1-65.
Carbayo, F. (2019). Planárias Terrestres Neotropicais–Uma Base de dados sobre os tricládidos.
Darwin, C. (1844). XXIX.—Brief descriptions of several terrestrial Planariæ, and of some remarkable marine species, with an of their habits. Journal of Natural History, 14(91), 241-251.
Darwin, C. (2017). A origem das espécies. FV Éditions.Simões, L. C., Mansur, K. L., & Brito, M. F. (2011). O mapa dos Caminhos de Darwin no Rio de Janeiro: Implantação de um projeto de popularização da história da ciência. Scientiarum Historia, IV, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro. Anais, 1-7.
Simões, L. C., Mansur, K. L., & Brito, M. F. (2011). O mapa dos Caminhos de Darwin no Rio de Janeiro: Implantação de um projeto de popularização da história da ciência. Scientiarum Historia, IV, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro. Anais, 1-7.
Autora: Thamara Santos de Almeida e Lauro Eduardo Bacca.
Revisão: Vitor Lauro Zanelatto.