Campos de Altitude: biodiversidade e clima em perigo
Por vezes, os Campos de Altitude são vistos como monótonos e pobres em biodiversidade quando comparados às florestas. No entanto, diversos estudos demonstram que esses ecossistemas possuem uma rica biodiversidade e desempenham um papel crucial na mitigação das mudanças climáticas.
A biodiversidade dos Campos de Altitude
A biodiversidade dos campos ainda é pouco conhecida. Pesquisas conduzidas pelo botânico João Iganci e seus orientandos na Serra Geral, no sul do Brasil, revelaram uma biodiversidade surpreendente. Foram identificadas aproximadamente 300 espécies exclusivas da região, sendo 25% delas endêmicas, uma taxa de endemismo superior à da Mata Atlântica na mesma localidade.
A vegetação campestre da Serra Geral é considerada a mais rica em angiospermas endêmicas do sul do Brasil. Cerca de 296 espécies endêmicas foram registradas, tornando essa formação vegetal uma prioridade para estudos de conservação. Dentro das áreas protegidas da região, encontram-se parques nacionais e estaduais, reservas biológicas, florestas nacionais, estações ecológicas e áreas de interesse ecológico.
Dentre os 116 táxons endêmicos registrados nos Campos de Altitude da Serra Geral, 41% foram identificados dentro de Unidades de Conservação, enquanto 59% foram encontrados apenas fora dessas áreas protegidas, reforçando a necessidade de estratégias eficazes para sua preservação. O Parque Nacional de São Joaquim se destaca como a área protegida com o maior número de espécies endêmicas (35 táxons), o que evidencia sua importância na conservação da flora campestre. Outras áreas com alta diversidade incluem a região de Urubici (SC), Curitiba (PR) e o nordeste do Rio Grande do Sul.
Embora ainda não haja um levantamento abrangente das espécies de Funga nos Campos de Altitude, apenas no Parque Nacional de São Joaquim já foram registradas 160 espécies, algumas das quais estão ameaçadas de extinção.

Algumas das espécies endêmicas dos Campos de Cima da Serra: Hippeastrum santacatarina, Lupinus rubriflorus, Adesmia reitziana, Buddleja cestriflora e Senecio conyzifolius. Fotos: Cassio Rabuske da Silva (CC BY-NC-SA 4.0 via Flora UFSC), Martin Grings (CC BY-NC-SA 4.0 via Flora UFSC), Guilherme Peres Coelho e Wigold Schäffer.
Sumidouros naturais para a mitigação das mudanças climáticas
Além de sua rica biodiversidade, os Campos de Altitude fornecem serviços ecossistêmicos essenciais, como a estabilização do solo, a manutenção das propriedades hidrológicas e, especialmente, a estocagem de carbono. Como sumidouros naturais, esses ecossistemas absorvem grandes quantidades de dióxido de carbono (CO₂) da atmosfera, contribuindo diretamente para o equilíbrio climático global.
O estoque de carbono refere-se à quantidade de carbono armazenada em diferentes reservatórios naturais da Terra, incluindo vegetação, solos, oceanos e a atmosfera. Nos Campos de Altitude, esse armazenamento ocorre predominantemente nos solos ricos em matéria orgânica, que acumulam carbono por longos períodos de tempo.
Pesquisas conduzidas nos Campos de Cima da Serra, no Rio Grande do Sul, demonstram que esses solos possuem estoques de carbono substancialmente maiores do que os estimados em inventários anteriores. Os estoques dessa região são 70% maiores do que os valores de referência globais do Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) e até 120% superiores às estimativas em mapas nacionais de SOC (Carbono Orgânico do Solo). Essa capacidade de retenção de carbono reforça a importância da conservação desses ecossistemas para o combate às mudanças climáticas.
As projeções futuras indicam que os Campos de Altitude estão sob grave risco de redução devido às mudanças climáticas. Estudos preveem perdas superiores a 95% das áreas climaticamente e topograficamente adequadas até 2050, comprometendo a capacidade desses ecossistemas de atuarem como sumidouros de carbono.
Projeto de Lei ameaça a biodiversidade e agrava a crise climática
O Projeto de Lei (PL) 364/2019 ameaça os Campos de Altitude e os demais campos nativos do Brasil. Caso aprovado, o PL pode representar um grande retrocesso na conservação desse ecossistema sensível, expõe campos nativos em todos os biomas brasileiros à conversão para expansão agrícola, especulação imobiliária e atividades que comprometem a biodiversidade local.
Além da evidente ameaça representada pelo PL 364/2019, iniciativas na direção de acelerar a eliminação dos Campos de Altitude já foram implementadas em Estados como Santa Catarina que, a despeito da flagrante inconstitucionalidade, modificam suas legislações ambientais. Em 2022, o Código Estadual do Meio Ambiente de Santa Catarina restringiu a proteção dos Campos de Altitude apenas às áreas acima de 1500 metros de altitude, além de alterar os parâmetros para identificação de vegetação primária e secundária com seus distintos estágios sucessionais, em claro conflito com os parâmetros definidos pelo CONAMA. Com isso, a área protegida foi reduzida para apenas 3,8% da cobertura original definida pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e, dessa porção ínfima que restou, ainda flexibilizou regras para favorecer a supressão da vegetação campestre.
A perda desses habitats pode resultar na extinção dessas espécies endêmicas ainda pouca estudadas e que dependem dessas áreas para sua sobrevivência, além de comprometer serviços ecossistêmicos fundamentais.
Campanha em prol dos Campos
Essa matéria é fruto da campanha “Proteja os Campos de Altitude”, uma das iniciativas do projeto “Cuidando da Mata Atlântica: Articulação Região Sul da RMA”, executado numa articulação entre a Associação de Preservação do Meio Ambiente e da Vida (Apremavi), Mater Natura – Instituto de Estudos Ambientais, Sociedade de Pesquisa em Vida Selvagem e Educação Ambiental (SPVS) e Instituto Mira Serra, com o apoio financeiro da Fundação dinamarquesa Hempel por meio da Fundação SOS Mata Atlântica.
Referências:
Gorsani, R. G. (2023). ‘Campo de altitude’: climate changes in time and space.
Iganci, J. R., Heiden, G., Miotto, S. T. S., & Pennington, R. T. (2011). Campos de Cima da Serra: the Brazilian Subtropical Highland Grasslands show an unexpected level of plant endemism. Botanical Journal of the Linnean Society, 167(4), 378-393.
Külkamp, J., Heiden, G., & Iganci, J. R. V. (2018). Endemic plants from the southern Brazilian Highland grasslands. Rodriguésia, 69(2), 429-440.
Pla, C., Külkamp, J., Heiden, G., Lughadha, E. N., & Iganci, J. R. (2020). The importance of the Brazilian Subtropical Highland Grasslands evidenced by a taxonomically verified endemic species list.
Autora: Thamara Santos de Almeida.
Foto de capa: Wigold Schäffer.