Avanços recentes na proteção dos Campos de Altitude
Os Campos de Altitude, formações vegetacionais únicas e de extrema importância ecológica, estão no centro de propostas legislativas que ameaçam a sua conservação. A tramitação do Projeto de Lei 364/2019 propõe a exclusão desses ecossistemas, e de todas as fitofisionomias não florestais, da proteção conferida pela legislação nacional. A medida, se aprovada, colocará em risco diversas áreas naturais em todos os biomas brasileiros.
Ainda que o projeto de lei federal esteja em debate, os impactos da agenda de flexibilização já são sentidos em nível estadual. Um exemplo é o de Santa Catarina, onde, em 2022, o Código Estadual do Meio Ambiente foi alterado restringindo a proteção dos Campos de Altitude apenas às áreas localizadas acima de 1500 metros de altitude. Além disso, o Código Estadual, contrariando a legislação federal, redefiniu os critérios para definir vegetação campestre primária e classificar os estágios sucessionais da vegetação secundária. Apenas considerando a definição de Campos de Altitude trazida pelo Código catarinense, sua aplicação implica na redução da área protegida para apenas 3,8% da cobertura original de vegetação campestre no Estado, segundo projeção com base na área mapeada pelo IBGE.
Apesar das ameaças, o último mês trouxe importantes iniciativas favoráveis aos Campos de Altitude. A primeira veio da Advocacia-Geral da União (AGU), que assegurou a validade das sanções aplicadas pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) a um produtor rural do município de Vacaria, na serra gaúcha. O produtor foi multado em cerca de R$ 2 milhões e teve uma área de mais de 300 hectares embargada por desmatamento ilegal de vegetação nativa pertencente ao bioma da Mata Atlântica.
A Procuradoria Regional Federal da 4ª Região, que atuou no caso em nome do Ibama, defendeu que os Campos de Altitude, assim como o bioma Pampa, são vitais para a regulação do clima, dos recursos hídricos, da qualidade do solo e do ar. Além disso, ressaltou a biodiversidade singular desses ambientes, que abrigam espécies endêmicas, ou seja, exclusivas da região.
A mobilização pela conservação dos Campos de Altitude também ganhou força institucional com o posicionamento do Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA). Na 145ª Reunião Ordinária, realizada em 23 de abril, o conselho aprovou, por ampla maioria, uma moção de repúdio às alterações do Código Ambiental de Santa Catarina que retiram a proteção aos Campos de Altitude. A manifestação, defendida por entidades como o Conselho Regional de Biologia da 9ª Região (CRBio-09), destacou os riscos que as mudanças representam para a conservação e o uso sustentável da vegetação campestre da Mata Atlântica. A votação teve 34 votos favoráveis, 11 contrários e 5 abstenções, configurando importante vitória frente as tentativas de obstrução por parte de representantes do governo catarinense e do setor florestal.
A pressão agora avança para o Supremo Tribunal Federal (STF). O Ministério Público Federal (MPF), por meio do Procurador-Geral da República, Paulo Gonet Branco, ingressou com uma ação pedindo a declaração de inconstitucionalidade de trechos do Código do Meio Ambiente de Santa Catarina. Segundo o MPF, as normas estaduais violam a Constituição Federal e leis nacionais de proteção à Mata Atlântica, além de extrapolarem a competência legislativa estadual, ao invadir matéria de regulamentação federal.
“A luta em defesa da Mata Atlântica, incluindo os ecossistemas associados como os Campos de Altitude, é anterior à Constituição de 1988, tanto é que os constituintes reconheceram a Mata Atlântica como patrimônio nacional. Isso permitiu a regulamentação da conservação, proteção, regeneração e utilização da vegetação nativa do Bioma Mata Atlântica, por lei federal em todos os 17 estados de sua ocorrência, ou seja, os estados devem seguir a legislação federal, podendo apenas impor restrições adicionais e não flexibilizar como fez Santa Catarina”, comenta Wigold B. Schaffer, coordenador do Núcleo Mata Atlântica do Ministério do Meio Ambiente na época da aprovação e regulamentação da Lei 11.428, de 2006.
O embate em torno dos Campos de Altitude reflete, na essência, um conflito mais amplo entre um modelo de desenvolvimento baseado na exploração intensiva dos recursos naturais e a urgência de transições para alternativas sustentáveis. Conservar esses ecossistemas vai além da proteção da biodiversidade: é garantir a continuidade de serviços ambientais vitais, como a regulação do clima e a segurança hídrica. Os recentes avanços, com as iniciativas no campo jurídico e institucional, demonstram que ainda há caminhos para conter os retrocessos e fortalecer a agenda ambiental.
Autora: Thamara Santos de Almeida.
Revisão: Wigold Schäffer e João de Deus Medeiros.
Foto de capa: Wigold Schäffer.